É assim que vejo o mundo

É assim que vejo o mundo
É assim que vejo o mundo literário (que vos mostro)

sexta-feira, 2 de julho de 2010


Eu, o busto de Miguel Torga e a turma de Desenho Gráfico - 02, no largo do Eiró, em S. Martinho de Anta - terra natal do grande poeta trasmontano MIGUEL TORGA.


"S. Martinho é um reduto ideal. Uma fortaleza a que me abrigo duas ou três vezes por ano, e onde me sinto inexpugnável todos os dias." (Diário X)

"Vim ver a azálea e o negrilho. Ambos rejuvenesceram, depois de um pânico ameaço de morte. E quis, supersticiosamente, verificar de perto a ressurreição que alvoroçadamente me foi anunciada. Ela, está esplendorosa, feminina, mais radiosa do que o sol primaveril que a bafeja. Ele, apenas verdejante, ergue-se como dantes majestoso e tutelar no Eiró, numa espécie de dignidade coalescente." (Diário XVI)

Escola Primária (S. Martinho de Anta)


(...) A escola, ao fundo do povo, tinha mimosas à roda. Em frente, passava a estrada de macadame, há anos em reparação, que vinha do Porto e seguia até Bragança. [...] Com janelas rasgadas a toda a volta que dum lado deixava ver o Marão ao longe, muito azul no verão e muito branco no inverno, mal se conhecia que em tempos fora caiado. Na frontaria, entre dois moirões a pino, bandeava-se a sineta. [...] O senhor Botelho gabava-se de apresentar sempre os melhores alunos do círculo, sem uma reprovação em trinta anos de serviço.[...] Os outros tiveram óptimo, e eu fiquei distinto. (...)

*
Miguel Torga, A Criação do Mundo

Regresso

Placa de mármore, na fachada da escola de S. Martinho de Anta,
em tempos frequentada pelo ilustre aluno Adolfo Correia da Rocha
(Miguel Torga).

Regresso

Regresso às fragas de onde me roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!

Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro esfarelou.

Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos

Aos deuses do meu velho paraíso.

A Um Negrilho

S. Martinho de Anta, 26 de Abril de 1954

Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

Miguel Torga in Diário VII (1956)

S. Martinho de Anta
Junho de 2010


* O Negrilho (olmo) secou, mas o poema de Torga continua lá!
Foto tirada no dia 24 de Junho de 2010, numa visita de estudo com a turma de Técnicos de Desenho Gráfico - 02 (IEFP - Bragança), ao S. Leonardo de Galafura (Régua).

* Azulejos atrás da pequena capela.

S. Leonardo de Galafura

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"S. Leonardo de Galafura, 8 de Abril 1977

O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modelações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta."

Miguel Torga (Diário XII)
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À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho! "

(Miguel Torga, Diário IX)